E se esvai no momento seguinte...

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Devaneios da madrugada

Era mais um conto sem começo nem fim, daqueles que nos faz querer pedir mais uma dose.
Fazia pouco mais de dez minutos que ela tinha voltado pra casa e já ouvia ao longe a reclamação de seus pais: era conta pra pagar, cachorro no lugar errado, ela que ficou fora por tanto tempo, ou seja, tudo mesmo que fosse nada era motivo.
Se cansou desta situação em menos de vinte minutos, então resolveu tomar um longo banho para refrescar a cabeça, não tinha nenhum lugar no mundo que ela sentia que pertencia, tudo era tão passageiro que ela esqueceu o que importava.
Passou dias deprimida, pensando que o cinza das densas nuvens que cobriam a cidade inteira há pelo menos um mês se dissipariam com mais facilidade.
No começo foi difícil acostumar com a rotina cheia de confusões e sortilégios, mas no final de semana ela nem ligava mais pro que acontecia, só deixava a maré a levar para onde quer que fosse.
Aliás... Seria uma coisa ótima estar junto ao mar em uma hora destas... Neste devaneio ela percebeu que precisava se sentir viva, precisava sentir seu corpo dançar, seu coração bater... Sem pensar ela pegou aquele par de tênis, colocou uma roupa confortável e levou seu mp3 player. Deu a primeira volta na quadra com um suspiro de liberdade, mesmo que às vezes a liberdade possa ser tão opressora quanto um turbilhão de sentimentos voltando à superfície.
Ela se lembrou da dor de ser ela mesma: todos a julgavam uma incapaz, todos a julgavam um ser inferior, todos a julgavam não merecedora das coisas boas, mas o que mais doía era que ela própria se julgava como todos os outros. Doía e ela tentava se fechar dentro de si mesma para tentar se machucar menos. Doía, mas ela sorria na superfície. Doía, mas ela era um lago profundo de tristeza em que o sol só reflete sua superfície, nele há grandes tesouros enterrados e grandes monstros que o habitam. 
Ela só precisava colocar as coisas no lugar e tornar este ambiente ecologicamente sustentável. Achou que não era difícil, deveria ser como arrumar o guarda-roupa e encontrar uma carta escondida de alguém que ela já quase nem lembra a história, quase nem lembra o rosto ou o gosto.
Parecia tão real colocar as coisas em ordem que ela se sentiu mais leve, tirou o lixo e separou umas roupas para doar. Não iria demorar muito na próxima viagem, ela se sentia meio cigana demais, talvez índia, devia ter uma veia nômade muito forte, mas por um momento sentiu que poderia realmente descansar das drogas, do álcool e das brigas.
Contudo ela queria sentir o vento, queria ter o espaço dela, casar e ter filhos com o homem de sua vida, embora ela não tivesse certeza do futuro.
Após algum tempo ela fez as malas novamente e saiu para escrever sua própria novela, aquela que não passa na TV, aquela em que ela é a atriz, diretora, espectadora e apresentadora.

Para onde será que ela vai desta vez?

Talvez sonhar com a próxima jornada.
Boa noite.